Nas próximas duas semanas ocorrerão “eleições” para a reitoria da USP – gestão 2022-2026. No dia 18 de novembro, ocorrerá uma consulta à comunidade, que como o próprio nome indica, tem caráter apenas consultivo, e no dia 25 de novembro os membros de congregações e conselhos centrais elegem o novo reitor, de forma indireta.

Em primeiro lugar, é importante destacar o caráter totalmente antidemocrático desse processo de sucessão reitoral da USP. A Universidade tem cerca de 13.500 funcionários, pouco mais de 5 mil docentes e mais de 100 mil estudantes entre graduação e pós-graduação. Nesse universo de quase 120 mil pessoas que compõe a comunidade universitária oficial (já que os terceirizados sequer aparecem nos números oficiais), apenas cerca de 2 mil pessoas estão habilitadas a votar no dia 25. E para piorar, destes 2 mil que podem votar, a grande maioria é de docentes titulares, já que estes são amplamente majoritários na composição de congregações e dos colegiados centrais. Funcionários e estudantes tem uma representação irrisória nesse processo. Em resumo, a “eleição” reitoral é, na verdade, um processo conduzido por uma casta dentro da universidade, que está sempre no comando, ainda que eventualmente revezando suas diferentes frações.

Cabe lembrar que o processo de escolha reitoral da USP é um dos mais antidemocráticos de todas as universidades públicas brasileiras. Nas universidades federais, em geral, o voto é universal, ainda que ponderado com pesos diferentes entre as categorias, respeitando-se como mínimo a proporção estabelecida pela LDB de no máximo 70% de docentes e 15% para funcionários e outros 15% para estudantes. Na USP não apenas o voto é limitado ao colégio eleitoral indireto, como a proporção entre as categorias na composição desse colégio sequer respeita a LDB. É um escárnio!

E, sempre é bom lembrar, esse processo interno estabelece a ordem da chamada lista tríplice que é encaminhada para o governador do estado, que pode indicar qualquer um dos 3 nomes mais votados. Tradicionalmente o governador indica o mais votado no processo interno, mas já tivemos casos como do então governador Maluf, ainda na ditadura militar, e mais recentemente do governador José Serra, que indicaram o segundo da lista tríplice. Ou seja, já não bastasse o processo interno ser totalmente antidemocrático, depende do crivo do governo. Em tempos de Bolso-Doria, é difícil garantir que sequer o resultado desse processo fajuto será respeitado.

Por tudo isso, reafirmamos a posição já aprovada em Congresso da categoria, de defesa de uma Estatuinte Livre e Soberana, como um instrumento para avançarmos na democratização da Universidade. E, sobretudo, consideramos fundamental apostarmos na nossa luta e ação direta, em conjunto com os estudantes e com a parcela de base dos docentes, para construirmos uma universidade a serviço da classe trabalhadora, que é quem sustenta essa instituição.

Disputa entre a Continuidade e o Continuísmo!

Após gestões marcadamente autoritárias, que avançaram no projeto de desmonte da Universidade orientado por uma concepção privatizante e empresarial expressa no relatório Mckinsey, encomendado pela gestão Zago-Vahan, poderia haver alguma expectativa de que algo diferente pudesse se expressar na disputa de sucessão reitoral, mesmo com as limitações do processo eleitoral. No entanto, ao final do período de inscrição de chapas, tivemos, na prática, duas variantes da situação, portanto duas expressões do mesmo projeto.

De um lado, temos a chapa mais marcadamente de continuidade, encabeçada pelo atual vice-reitor Hernandes, tendo como vice a pró-reitora de Cultura e Extensão, Maria Aparecida. Hernandes foi o responsável direto pela gestão da pandemia, que foi marcada pelo autoritarismo típico dessa administração. Basta lembrar que tivemos que fazer uma Greve Sanitária contra a imposição de retorno presencial em novembro de 2020, em um momento que sequer havia vacina aprovada. E também neste ano nos deparamos com a imposição de retorno presencial, na prática, apenas para os funcionários. Em todo esse processo, não fomos recebidos em nenhum momento pela reitoria, e muito menos pelo GT comandado por Hernandes.

De outro lado, temos a chapa encabeçada pelo pró-reitor de Pós-Graduação, Carlos Carlotti, tendo como vice a ex-diretora da FFLCH e atual responsável pelo Escritório USP Mulheres, a Professora Maria Arminda. Embora menos ligada às políticas gerais da atual gestão, não é exatamente uma chapa de oposição, já que Carlotti foi pró-reitor da gestão atual, e a professora Arminda foi pró-reitora na gestão Zago, além do seu papel atual no USP Mulheres.

Para além das relações dos candidatos mais ou menos diretas com as duas últimas gestões, nenhuma das chapas apresenta respostas satisfatórias aos principais problemas que afligem nossa categoria e o conjunto da Universidade. Questões urgentes como a necessidade de contratação para todas as áreas, recomposição das perdas salariais, carreira, dentre outras têm respostas insuficientes de ambas as chapas.

Em um contexto de baixo comprometimento da receita com a folha de pagamento (abaixo dos 70%, e caindo), fruto de anos de arrocho salarial e de uma política de desmonte como há muito não se via, as duas chapas se permitem fazer promessas de reajustes e até mesmo de contratação (embora a chapa Hernandes-Maria Aparecida já diga logo que contratação de funcionários seria só pra “atividades fim” – quais não se diz). No entanto, nenhuma delas faz um balanço crítico da política de desmonte levada adiante pelas gestões Zago-Vahan e Vahan-Hernandes, especialmente a partir da aprovação, sob a base de bombas, dos famigerados Parâmetros de Sustentabilidade. Os tais parâmetros estabelecem, para além do arrocho salarial quando o comprometimento da receita com folha de pagamento ultrapassar 80%, uma readequação da relação entre funcionários e docentes de 60 a 40%. Considerando um número de 6 mil docentes, isso significaria que deveria haver no máximo 9 mil funcionários. Atualmente temos 13.500 funcionários, o que já se demonstra insuficiente. Sem romper com os Parâmetros de Sustentabilidade, a tendência é aprofundar a defasagem de funcionários. Nenhuma das chapas propõe revogar os Parâmetros, ao contrário, as duas reivindicam esse famigerado projeto. Dessa forma, qualquer promessa fica no vazio.

Outros temas relevantes como o avanço da militarização da Universidade, com a presença cada mais ostensiva da PM no campus, bem como a necessidade de avanço na democratização das instâncias de poder, são negligenciados nos programas de ambas as chapas. Outra questão importante é a reversão do desmonte de setores como o HU, a EA, as creches, bandejões, dentre outras. No caso do HU, de forma quase irônica a chapa Hernandes-Maria Aparecida promete contratações, sem assumir a sua responsabilidade pela situação atual do Hospital. Importante lembrar que foi na gestão Zago-Vahan que houve a tentativa de desvinculação do HU e do HRAC (no caso do HRAC isso chegou a ser aprovado no CO), sendo que neste último a superintendente na época era a Professora Maria Aparecida.

Em resumo, estamos diante de uma disputa entre a continuidade e o continuísmo!!!

Mulheres de vice, mas para as trabalhadoras nenhuma atenção!

As duas chapas têm mulheres como candidatas a vice, certamente como uma tentativa de demonstrar preocupação com a diversidade e com a paridade de gênero. Obviamente achamos positivo que cada vez mais mulheres possam ocupar papéis públicos. No entanto, ter mulheres em posto de comando não significa, automaticamente, que as demandas mais sentidas pelas mulheres trabalhadoras serão atendidas. Afinal, o problema não é somente de gênero, mas é também, e principalmente, de classe social.

Nesse sentido, podemos destacar a total falta de atenção da Universidade com a situação das mulheres trabalhadoras, particularmente neste último período da pandemia. Basta dizer que em plena pandemia a reitoria promoveu cortes de terceirizadas da limpeza, função ocupada principalmente por mulheres, muitas delas mantenedoras das famílias. Além disso, com o fechamento das escolas, a demanda do cuidado dos filhos, que recai na maior parte das vezes sobre as mulheres, aumentou significativamente. A Universidade não teve nenhuma atenção especial a essa situação.

Nesse cenário, não vimos sequer uma manifestação do Escritório USP Mulheres, coordenado pela professora Arminda, sobre a situação das mulheres trabalhadoras da Universidade durante a pandemia. Da parte da Professora Maria Aparecida, destacamos que como pró-reitora de Cultura e Extensão ela foi a responsável direta pela demissão sumária de uma companheira negra, mãe solteira e que passou por um processo de adoecimento mental que não contou com nenhum acompanhamento da Universidade.

Não reconhecemos essa “Eleição” Fajuta! Boicotar a Consulta e Votar Nulo na Eleição Oficial!!!

Diante de todos esses elementos que destacamos nessa carta aberta, não resta outra conclusão que não seja reafirmarmos que essa escolha reitoral é uma verdadeira farsa, tanto pela total falta de democracia do processo, quanto pela ausência de uma disputa real de projetos.

Nesse sentido, orientamos o conjunto da categoria a Boicotar a Consulta à Comunidade. Afinal, essa consulta não tem nenhum peso na eleição oficial. Na última eleição, Vahan-Hernandes perderam na Consulta entre os estudantes e funcionários por larga margem, e ganharam entre docentes por ligeira vantagem, e mesmo assim foram eleitos no voto indireto. Portanto, essa consulta é uma total farsa!

Na eleição oficial, orientamos os nossos poucos representantes em congregações e nos Conselhos Centrais e anularem o voto, como expressão do rechaço ao processo.

Nenhuma questão relevante de defesa da Universidade estará em jogo nessa eleição. Somente nossa organização e nossa luta direta pode garantir nossas demandas mais sentidas.

Conselho Diretor de Base do Sintusp