https://www.sintusp.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Carta-aberta-contra-a-demissao-de-trabalhadora-negra-da-PRCEU-da-USP.pdf

Em 27/08 uma trabalhadora da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária foi demitida sumariamente pelo Reitor da USP após um longo processo de adoecimento mental no local de trabalho.

Ao invés de acolhimento a essa trabalhadora, a então Pró-Reitora Maria Aparecida, abriu um processo administrativo contra ela que culminou no pedido de sua demissão. A funcionária foi acusada de desídia pela Pró-Reitora por conta de faltas bastantes justificadas decorrentes do seu adoecimento. Antes, permitiram que ela acumulasse um grande débito no banco de horas vigente, depois passaram a descontar sucessivamente tais débitos dos salários da trabalhadora, o que a foi desestabilizando emocional e financeiramente cada vez mais.

A trabalhadora buscou inúmeras vezes por tratamento psicológico e médico nos últimos anos, sem nenhum apoio da universidade. Pediu para ser transferida para outro lugar no qual pudesse se reestabelecer profissionalmente fora da PRCEU, ambiente de trabalho que agravou seu adoecimento. Mas a Pró-Reitora preferiu abrir um processo disciplinar e pedir a demissão da funcionária, ao invés de cedê-la para outra unidade da universidade, que pudesse aproveitar da sua vasta experiência e competência profissional de 15 anos na USP, atestada por inúmeros colegas e chefias com os quais trabalhou ao longo de sua trajetória.

O Sindicato dos Trabalhadores da USP, mais de uma vez mediou negociações sobre a situação da funcionária no período e fez sua defesa no processo administrativo, até enfim, no dia 06/09 impetrar um recurso à decisão de demiti-la pelo Reitor. Embora o prazo de 10 dias seja o previsto administrativamente para a resposta da Reitoria, desde então não houve nenhuma definição a respeito.

Em setembro, o sindicato e diversos das entidades, movimentos e parlamentares que subscrevem essa carta, formaram uma comissão e mandaram ofícios pedindo uma reunião a respeito do assunto, ao que a Reitoria respondeu com afirmações genéricas sobre a suposta legalidade do processo.

Além do comprovado adoecimento da funcionária no local de trabalho, ressaltamos que não houve nenhum tipo de gradação na pena aplicada contra ela, a funcionária nunca foi sequer advertida, para repentinamente perder o emprego. Em um ambiente democrático nenhuma medida disciplinar poderia ser tão abrupta. Entre uma suposta infração e a punição máxima de demissão, muitas sanções são possíveis administrativamente. Para piorar, a comissão processante ainda teve entre seus membros superiores hierárquicos da própria funcionária, o que caracteriza quebra de isenção para apuração dos fatos.

A violenta conduta da USP neste caso torna-se ainda mais grave, e expõe o racismo institucional da USP e seus gestores, por tratar-se de uma trabalhadora negra e mãe solo, colocada no desemprego em meio à pandemia e grave crise econômica e social pela qual passamos.

Pelo exposto acima, conclamamos o apoio amplo e democrático da comunidade interna e externa a universidade, docentes da USP, entidades, movimentos sociais e parlamentares, a assinarem esta carta aberta e a endossarem o nosso pedido para que o Reitor da USP reverta essa demissão e acolha o recurso impetrado pela defesa da trabalhadora.

Veja também, abaixo, o depoimento da trabalhadora sobre sua demissão.

Saudações fraternas,

Sindicato dos Trabalhadores da USP

Núcleo de Consciência Negra da USP

Associação dos Docentes da USP

Marcha de Mulheres Negras de São Paulo

Movimentos Culturais da Cidade de São Paulo

Deputada Estadual Isa Penna

Deputada Estadual Erica Malunguinho

Deputada Federal Sâmia Bonfim

Deputado Federal Alexandre Padilha

Vereadora Luana Alves

Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo

Grupo de Mulheres Pão e Rosas

Quilombo Vermelho

Movimento Nossa Classe

Quilombo Dandara da Baixada Santista

Sindicato dos Servidores de São Vicente

Coletivo Feminista Classista Maria Vai com as Outras

Coletivo Negro Escuta Preta

Rebelião Negra

Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” – CAELL USP

Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP)

Jorge Luiz Souto Maior, Flávio Roberto Batista e Marcus Orione Gonçalves Correia, professores da Faculdade de Direito da USP

Tercio Redondo, Maria Teresa Celada e Elisabetta Santoro, professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

OBS: Novas assinaturas individuais, de entidades, movimentos ou mandatos podem ser enviadas para sindical@sintusp.org.br, uma versão atualizada da carta será publicada na próxima semana.

Depoimento da trabalhadora demitida

“Lembro como se fosse hoje, quando entrei na USP, como funcionária. Foram 2 anos de espera, fiz a prova do concurso grávida da minha filha. A lembrança do meu primeiro dia ainda está na minha mente. Entrando pelos corredores. Tinha medo de falar com as pessoas e não ser compreendida, afinal. Era uma jovem mulher de 25 anos, com apenas o 2º Grau completo (Ensino Médio) entrando na referência de ensino universitário do Brasil e da América Latina. Meus primeiros anos foram lindos, trabalhava com o que mais gostava na época, Tecnologia da Informação. Minha chefe imediata e outros analistas, naquele tempo, me ensinaram tanto. Não tenho como agradecer tanto aprendizado. Tinha um trabalho estratégico, Gestão de Custo em Telecom, eu abria os arquivos enormes, com as contas de todas as dezenas de milhares de ramais, linhas diretas, links de alta e baixa velocidade e as corrigia. No setor onde trabalhava, economizava para os cofres na USP cerca de 500 mil reais/mês. Além de ter feito parte da Equipe Técnica que fez a licitação dos serviços de telefonia da USP. Um edital de 150 milhões. Por toda essa contribuição, eu fui promovida duas vezes, no período da implementação do plano de carreira da USP, gestão Rodas.

Nessa mesma gestão, o CCE foi extinto do dia pra noite, o DI/RUSP absorvido pelo STI. Essa mudança não mexeu apenas comigo, naquela época, muitos funcionários adoeceram, pela forma que a Reitoria tratou o caso. O setor que tanto gostava foi extinto e o trabalho descontinuado.

Tentei me adequar à nova realidade, mas estava passando por uma separação de um casamento de 8 anos naquele período. Já começava meu adoecimento mental. Pedi transferência para a PRCEU em uma das suas unidades. Lá fazia um trabalho que me agradava muito, mas ainda não estava bem, desenvolvi uma dependência de álcool e usava drogas que prejudicavam meu desenvolvimento nas tarefas mais básicas, como ser mãe, e uma boa funcionária. Minha depressão foi se aprofundando de tal maneira, que passei a ter surtos psicóticos. Tive um desses surtos no meio do expediente, tive que ser resgatada pelos meus familiares. Fiquei muito tempo com adoecida. Nesse tempo fui transferida novamente. Eu tentava procurar médicos, psiquiatras, tratamentos, remédios, mas não conseguia melhorar. Nessa mesma época, minha filha transicionou (hoje ela é uma adolescente trans saudável), foi uma batalha, pois tinha que dar suporte à ela, sem ter suporte para mim mesma. Ainda fiquei lutando contra o alcoolismo e a depressão por muito tempo. Nesse período que acumulei as faltas e atrasos. Soube quando li meu prontuário que tenho transtorno de personalidade limítrofe. De acordo com algumas literaturas, é uma condição para o resto da vida. Apesar de toda essa turbulência, nunca deixei de entregar o meu melhor nos trabalhos que me propus a fazer. Acúmulo elogios de todas as chefias que fui subordinada, incluindo a própria Profa. Maria Aparecida que me parabenizou pelo meu trabalho realizado durante a pandemia, a mesma que já havia me demitido por justa causa, sem que eu soubesse no momento que fez o elogio.

Antes de entrar na USP, eu já trabalhei de operadora de telemarketing, atendente de lanchonete, recepcionista, telefonista, técnica de suporte, até ambulante na rua vendendo brincos eu trabalhei. Não admito ser mandada embora dessa distinta Universidade com o título de preguiçosa. Essa é a última coisa que sou. Me foi negado muitas coisas nessa vida, mas minha dignidade nunca será uma delas.”