Na Creches Coordenadas pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento – Vida no campus- desafios impostos pela desvalorização no meio acadêmico e agravados pelo desmonte do Serviço Público, suprimido em favor exclusivo do empresariado de São Paulo, torna a tarefa de se vislumbrar os saberes surgidos no cotidiano das pesquisas e práticas pedagógicas, inerentes ao ambiente da Educação Infantil, uma realidade distante.
Resultado da organização de mulheres trabalhadoras e estudantes da Universidade de São Paulo, as Creches coordenadas pela USP têm um importante papel no cumprimento do direito à educação das crianças na primeira Infância.
Estas instituições promovem a permanência estudantil de famílias no âmbito acadêmico e se constituem, em seu cotidiano, como espaços formadores, recebendo estagiárias (os) das mais diversas áreas do conhecimento, tornando-se, assim, instrumentos fundamentais para as pesquisas que a USP produz. Esta tarefa, mantida durante os últimos quarenta anos, fruto da organização dos movimentos populares, faz parte da função Social da Universidade, que cresce e se mantém graças à mão de obra e investimentos despendidos pela comunidade interna e externa para o ensino, pesquisa e extensão.
O processo de terceirização imposto pela USP ao setor de Serviços Gerais, aos agentes de Segurança, aos Restaurantes, ao Hospital Universitário e às Creches – mesmo tendo um orçamento suficiente para manter todos estes serviços – reflete um projeto político, gradual e contínuo de desmonte e desvalorização dos serviços públicos, que abrange São Paulo e outros tantos estados do Brasil.
Um Projeto econômico, político e ideológico alicerçado em leis e emendas constitucionais, criadas para legalizar a aproximação das universidades públicas com as empresas privadas e naturalizar uma concepção mercantilista e neoliberal de educação nos seus mais variados níveis.
No tocante às Creches, a história de desvalorização vai para além deste projeto de sucateamento e privatização da universidade pública. Surgiu, talvez desde sua concepção, tratada no contexto acadêmico, como um nível de conhecimento que “nada tem a ver” com o nível de conhecimento produzido num âmbito universitário.
Depois de mais de trinta anos de resistência e luta, a USP foi obrigada a legalizar a situação das professoras, atribuindo-lhes a nomenclatura de Professoras de Educação Infantil – USP.
Sem criar qualquer condição que as enquadrasse na carreira de professoras, ou lhes garantisse os direitos conquistados pela categoria (recesso em julho, aposentadoria, etc.), se apressou em colocar na fila de extinção o cargo de PROFEI, recentemente conquistado por estas mulheres e retarda o reconhecimento da nomenclatura na Carteira de Trabalho Digital, categorizando-as como Coordenadoras Pedagógicas, o que poderia prejudicar o processo de aposentadoria destas profissionais.
O fechamento da Creche Oeste, a proposta de Convênio com o Município, configurando um tipo de terceirização, escancaram a situação de precarização da Educação Infantil no âmbito da Universidade de São Paulo.
Além disto, a falta de perspectiva para a Educação Infantil na Universidade – precarização de um projeto pedagógico reconhecidamente respeitável, agora se encontra, mais do que nunca, comprometido pelas condições de trabalho colocadas, diariamente, aos seus profissionais:
- a falta de contratação de profissionais;
- a ausência de uma supervisão humanizada e voltada para as questões da Educação Infantil;
- a prática retardatária da USP, por meio da PRIP (Vida no Campus) e do SESMT, diante dos adoecimentos e afastamentos em massa das funcionárias, apontado pelo CRST, em 2020;
- o parco investimento no espaço e ferramentas necessárias para a prática pedagógica de qualidade, bem como, a distribuição de materiais baseada em um sistema, burocrático, ineficiente para as demandas cotidianas da prática com as crianças;
- a alimentação, que em tempos passados era feita por cozinheiras da própria Instituição com todo cuidado direcionado às diferentes faixas etárias, agora, com a extinção dos trabalhadores do nível básico na Universidade, está sob a responsabilidade do Restaurante Central e enfrenta dificuldades para a adequação destes itens às necessidades específicas da primeira infância.
Percebe-se aqui, toda uma conjuntura que configura uma situação duradoura de negligência e negação frente ao projeto de Educação Infantil, no contexto de uma Universidade.
Todo este contexto nos leva a pensar que há sim, um projeto voltado para a Educação Infantil no ambiente da Universidade de São Paulo: um projeto de desligamento, de entrega à terceirização e à privatização, caracterizado pela precariedade, em ascensão no país. Sendo assim, nos resta pontuar a importância de garantir condições fundamentais para a continuidade destas instituições, sem abrir mão de sua história de excelência.
No chão das Creches, professoras resistem, se valendo de ferramentas e caminhos democráticos, tais como:
- a construção de Resoluções para reconhecimento e regularização destas instituições existentes a quase meio século;
- criação de Conselhos Escolares;
- desengavetamento do Estatuto do Magistério pleiteado e escrito pelas professoras;
- a inauguração de uma Secretaria de Educação Básica no SINTUSP.
O Projeto de Universidade Pública, precisa reconhecer que a Educação infantil, desenvolvida nas Creches, conquistadas ao longo da história de emancipação feminina e direitos das crianças, para além de ser uma ferramenta de acesso (da comunidade como um todo) ao ambiente universitário, é um espaço de pesquisa e produção de saberes sobre as infâncias ao longo da constituição social da humanidade, objeto de estudo importante para muitas áreas do conhecimento científico.
Pensar sob este viés, nos faz idealizar, para este primeiro nível da Educação, surgido no seio da própria Universidade, um lugar de E.I. pública, direta, laica e de qualidade, com parte de suas vagas destinadas à comunidade externa, às trabalhadoras terceirizadas, materializando uma função importante da Universidade, a de estender os avanços e benefícios que cria por meio da pesquisa, à esta comunidade que a mantém.
Nos leva a idealizar cada Creche como espaços organizados e compromissados com a pesquisa voltada para esta etapa da vida humana, nos seus mais variados aspectos.
No entanto, nós trabalhadoras da E. I. Universitária, no Brasil, ainda vivemos o lusco-fusco desta aurora que tarda a raiar, obrigadas a antes de mais nada, lidar com as trevas que “homens da ciência” nos relegam nesta era de escuridão, não nos restando mais nada, que não seja pleitear o que há de mais básico, para a manutenção deste lugar de Infância na Universidade:
- imediata contratação de funcionárias, de modo a compensar o número de faltas por adoecimento, pelo envelhecimento do quadro de funcionárias em todos os segmentos, por conta da extinção das trabalhadoras de nível básico, bem como, pela terceirização das equipes de limpeza e cozinha; revertendo assim o crescente fechamento de salas nas Creches;
- adequação dos direitos conquistados pela categoria de Professoras, ao longo da história, à realidade das professoras das Creches coordenadas pela USP (Adequação da nomenclatura na Carteira de trabalho Digital, recesso em julho, aposentadoria);
- formação continuada que contribua efetivamente na progressão da carreira;
- eleições democráticas da gestão, que esta tenha efetiva liberdade de atuação para gerir o ambiente escolar, que a coordenação pedagógica não esteja vinculada a cargos de confiança, ou tenha a função de controle de frequência das funcionárias, que estas tenham seu tempo dedicado à práxis pedagógica diária e recebam verba de representação;
- a legalização da Rede de Educação Básica, por meio de uma Portaria ou documento que efetive sua existência na Universidade, com um trabalho de Supervisão que atue diretamente na prática das Creches, que seja responsável pela formação (em trabalho) das gestoras, que garanta a construção do Estatuto do Magistério, bem como a criação de documento (Resolução) capaz de legalizar e oficializar o lugar das Creches na USP;
- abertura de discussões que avaliem o sistema de controle de horas e sua coerência com a realidade da prática educativa nas Creches e suas demandas diárias;
- a não terceirização das equipes no âmbito escolar, com a proposta de contratação de auxiliares de limpeza e enquanto o quadro de terceirização generalizada na USP for irreversível, que se faça um contrato semelhante ao do HU (Sujidades), que se evite o rodízio das trabalhadoras terceirizadas das Creches, para que se mantenha o vínculo entre estas e a comunidade escolar;
- o acompanhamento de especialistas dos casos de transtornos psicológicos, surgidos e (ou) desenvolvidos no âmbito do trabalho.
Pontos fundamentais para serem discutidos e encaminhados junto à toda comunidade que vê na Infância, celeiro, fértil de construção de saberes, lugar de ciência e compromisso ético coma comunidade.
Nesse processo histórico-político de construção e organização de conhecimentos, uma Instituição, aglutinadora dos saberes sobre a infância, também ferramenta de acesso ao ambiente Universitário pela Comunidade, não se constrói sozinha, nem tão pouco da noite para o dia. Neste sentido convocamos toda a comunidade da Uspiana a se juntar para dialogar com seriedade e compromisso sobre o papel, o lugar da infância num âmbito universitário da USP.
Convocamos todas as Entidades e Congregações a se comprometerem com esta questão e se envolverem efetivamente, na preservação destes direitos conquistados que vemos, gradualmente, escapar por entre os dedos.
Sem mais, agradecemos a escuta e aguardamos desta Instituição a oportunidade de um encontro para maiores reflexões sobre o papel da Infância no meio acadêmico da Universidade de São Paulo.
São Paulo, 15 de outubro de 2024.
Atenciosamente,
Secretaria de Educação Básica do SINTUSP