Trabalhadoras terceirizadas da limpeza da FOUSP
Nós somos as mulheres que vocês veem antes das aulas começarem, depois que acabam e muitas vezes quando ninguém mais está aqui. Somos as que limpam o chão onde você pisa, a clínica onde você atende, a bancada onde você estuda, o banheiro onde você respira aliviado e que cuidam da segurança do seu patrimônio. Somos parte da FOUSP, mesmo que isso não apareça no crachá, no organograma, no anuário estatístico e nem na folha de pagamento. E por isso estamos falando com vocês mais uma vez.
O QUE ACONTECEU? E PORQUE ISSO IMPORTA PRA TODA A USP?
No dia 28 de novembro, sexta, data prevista em lei para pagamento da primeira parcela do 13º salário, nós — trabalhadoras terceirizadas da limpeza da FOUSP — olhamos o extrato do banco e encontramos SILÊNCIO. Nenhuma informação prévia. Nenhum aviso da empresa Interativa. Nenhuma justificativa. E nem um centavo.
Simplesmente não pagaram. Apenas depois é que ficamos sabendo que a empresa alegava existir um acordo coletivo com o Sindicato da nossa categoria permitindo pagar tudo no dia 10 de dezembro. Mas essa cláusula do Acordo só se aplicava para 2025.
A própria Direção da FOUSP e a Reitoria observaram, reconheceram e confirmaram isso por escrito. Ou seja: A empresa descumpriu a lei, descumpriu o contrato e nos deixou dez dias sem aquilo que é nosso por direito. Contas atrasaram. Cartões estouraram. Algumas de nós choraram no ônibus pensando em como explicar em casa que “o dinheiro não caiu”. Outras ficaram sem comprar remédio. Outras ficaram com vergonha de pedir ajuda.
E ainda assim — mesmo machucadas, humilhadas e indignadas — nós não cruzamos os braços.
Não porque não tínhamos direito. Mas porque temos responsabilidade, compromisso e consciência de que, sem OS NOSSOS BRAÇOS E AS NOSSAS MÃOS, se não fizermos o que fazemos, A FOUSP NÃO FUNCIONA.
E aqui mora a contradição que queremos que vocês enxerguem:
O serviço funcionou porque nós bancamos — às nossas custas — o que a empresa não garantiu. E, ainda assim, nos contratos que a USP assina com as empresas terceirizadas o que é considerado para aplicação de multas ou sanções contra a empresa é a existência ou não de “prejuízo ao objeto do serviço”. Como se o nosso prejuízo, o prejuízo daquelas que o executam de fato, não fosse parte do serviço!
NÃO PARALISAMOS O SERVIÇO! NÓS MOVIMENTAMOS A FOUSP!
Depois dessa injustiça, nos reunimos, procuramos o SINTUSP, escrevemos cartas, colamos avisos nos banheiros, entregamos panfletos e conversamos com toda a comunidade. E a FOUSP reagiu. Professores disseram “vocês têm razão”. Estudantes nos abraçaram. Funcionários efetivos vieram perguntar “o que podemos fazer?”.
A Direção da FOUSP, sensibilizada pela nossa mobilização, notificou a Interativa e enviou o caso para a Procuradoria-Geral da USP. Explicou que o que a empresa fez foi “no mínimo indecente”, cobrou documentos, deu prazos e exigiu explicações.
E a empresa seguiu em silêncio, ignorando a todos, dia após dia recorrendo no erro, até pagar dia 09/12… Mas isso não significa que “está tudo resolvido”. Porque não é apenas sobre receber o que é nosso. É sobre a forma como fomos tratadas: como se não precisássemos saber, como se não importássemos, como se nosso trabalho existisse sem nós.
E estamos diante de um novo capítulo dessa luta: Diante dessa atitude da empresa, a Procuradoria-Geral da USP, a princípio, entendeu não ter havido “prejuízo ao objeto do contrato”, porque o serviço foi executado.
Mas perguntamos: quem executou? Não foi a empresa. Fomos nós, às nossas custas físicas, emocionais e financeiras. O serviço foi mantido porque não deixamos os pacientes e estudantes desamparados, mesmo com o coração apertado e o bolso vazio.
Se isso não é “prejuízo”, o que mais precisa acontecer para reconhecerem que somos parte essencial desta universidade? E então, orientou a FOUSP a aplicar apenas uma advertência à empresa!!! Uma advertência!!!! Para dez dias de atraso! Para dezenas de trabalhadoras prejudicadas. Para descumprimento de contrato e da lei.
E aqui entra a nossa pergunta — a pergunta que precisamos que toda a comunidade faça junto com a gente: “Por que quando uma trabalhadora falta um único dia, para levar um filho ao médico, perde cesta básica, recebe advertência, transferência, suspensão e até justa causa…Mas quando a empresa falha dez dias seguidos, prejudicando dezenas de famílias, ela recebe apenas um “puxão de orelha”?’ Que lógica é essa? Que Justiça é essa? Que “isonomia” é essa?
NÃO SOMOS INVISÍVEIS: A UNIVERSIDADE FUNCIONA POR QUE ESTAMOS AQUI
Há anos vivemos o mesmo padrão: salário inferior; benefícios menores; ônibus circular gratuito que existe para todos (menos para nós, que atravessamos essa USP de madrugada); rebaixamento, humilhação e a sensação constante de que somos “de fora”.
Enquanto isso, a USP fala em “pertencimento” e criou até uma Pró-Reitoria com esse nome. E a nova gestão da universidade é eleita sob o lema: “USP pelas Pessoas”.
E nós perguntamos: que pessoas? Até agora, não parecemos estar incluídas nessa definição. Nossa situação não é individual. É estrutural. É consequência do modelo de terceirização que cria dois mundos dentro da mesma universidade: um com direitos, estabilidade, ônibus gratuito, benefícios, reconhecimento; outro com salário menor, humilhação cotidiana, falta de informação, e agora… dez dias sem 13º e nenhuma garantia de que isso não se repetirá.
É por isso que afirmamos: a luta pelo 13º não é uma luta isolada, ela aponta para o caminho real de direitos iguais para quem trabalha igual, pela efetivação das trabalhadoras terceirizadas. A cada corredor limpo, a cada clínica desinfetada, a cada paciente atendido, estamos mostrando que somos parte da USP — quer reconheçam, quer não.
Nós não estamos em festa. Mas não estamos derrotadas. Estamos lúcidas. Recebemos o 13º — porque lutamos. Mas a injustiça permanece. E a luta continua.
Queremos a abertura de processo administrativo com aplicação da multa prevista em contrato e no acordo coletivo. Se uma trabalhadora não pode atrasar seu trabalho, por que a empresa pode atrasar o salário de todas sem consequência? Exigimos um PPP verdadeiro, que represente o que fazemos.
O PPP é o documento que define a exposição a riscos, doenças e desgaste físico. Ele serve para garantir um direito que poucas pessoas conhecem: APOSENTADORIA ESPECIAL. Que nada mais é do que o direito de se aposentar em menos tempo, como uma indenização por passarmos a vida em um trabalho que não apenas nos adoece, desgasta, machuca, como também oferece riscos à nossa saúde e vida, pois limpamos sangue, saliva, aerossol, poeira de broca e resíduo químico.
Mas o PPP enviado pela empresa É UMA FRAUDE, não descreve nada disso — e isso pode roubar o futuro de cada uma de nós. Trabalhamos toda a vida com os riscos de quem trabalha em hospital, mas nos aposentamos como se nunca tivéssemos visto um pano de chão?
Pedimos que a FOUSP expresse em documento a realidade do nosso trabalho, para que pressione a empresa a produzir um PPP correto, honesto e compatível com a realidade da FOUSP. Escrevemos essa carta à vocês porque sabemos que, quando a comunidade entende e apoia as coisas mudam mais rápido. Conversem com a Direção, cobrem a multa prevista, apoiem o pedido do PPP correto. Defendam a ideia de que a FOUSP não pode funcionar com duas categorias de trabalhadoras. Não estamos pedindo esmola, favor ou compaixão.
Nós sustentamos essa universidade. Merecemos respeito e exigimos justiça. NÓS SEGUIMOS AQUI. FIRMES. UNIDAS E FORTES. INVISÍVEIS NUNCA MAIS!
Trabalhadoras Terceirizadas da Limpeza da FOUSP
