Depois de recebermos inúmeras denúncias vinda de estudantes que são estagiários da universidade a respeito de cobrança de compensação de horas, ameaças de corte de ponto e até horas-extras solicitamos ao advogado do Sintusp que elaborasse um parecer jurídico a respeito das inúmeras ilegalidades cometidas por chefias em relação ao estagiário.

Destacamos que a Lei nº 11.788/2008 define o estágio como um “ato educativo escolar supervisionado”, que deve “integrar o itinerário formativo do educando”. Ou seja, as atividades de estágio não só não devem comprometer as atividades acadêmicas dos estagiários, como devem contribuir para sua formação. Diante disso, o estagiário não pode ser penalizado por atividades acadêmicas de seu curso de graduação. Sendo vedada a compensação de horas, o estagiário não pode ter sua bolsa cortada por precisar se ausentar para cumprir atividades de seu curso, como eventos acadêmicos e trabalhos de campo. Caso isso ocorra, estará configurado um claro desrespeito à Lei do Estágio, o que, no caso dos estágios da USP, é ainda mais grave dado o fato de a universidade ser tanto a instituição de ensino de origem do estagiário, como a instituição concedente responsável por sua contratação.

ASSUNTO: Ilegalidade na exigência de compensação de jornada e extrapolação de carga horária imposta aos estagiários pela Universidade de São Paulo (USP).

Conforme amplamente divulgado e apurado, a Universidade de São Paulo (USP) mantém em seus quadros estagiários distribuídos entre seus diversos campi. Há relatos e denúncias trazidas ao SINTUSP – Sindicato dos Trabalhadores da USP, de que a Universidade vem exigindo desses estagiários o cumprimento de jornadas superiores aos limites legalmente estabelecidos pela Lei nº 11.788/2008 (Lei do Estágio), bem como a realização de compensações de jornada, à semelhança do que ocorre com seus empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelo Estatuto dos Servidores da USP (ESU), conforme previsão em Acordo Coletivo de Trabalho firmado com esses trabalhadores, através do Sindicato, com a USP.

1. Do conceito e natureza jurídica do estágio

Nos termos do art. 1º da Lei nº 11.788/2008, o estágio é definido como ato educativo supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular. O estágio não configura vínculo empregatício, desde que observadas todas as exigências legais.

Portanto, o estágio possui natureza jurídica pedagógica e formativa, diferenciando-se radicalmente do contrato de trabalho. O descumprimento das condições legais descaracteriza o estágio, gerando vínculo de emprego com todos os efeitos trabalhistas e previdenciários.

2. Da jornada de estágio e sua rigidez legal

A jornada de estágio está disciplinada no art. 10 da Lei nº 11.788/2008, conforme segue:

“A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatível com as atividades escolares e não ultrapassar:

I – 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental;

II – 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.”

Além disso, o § 1º do mesmo artigo apenas autoriza a ampliação da jornada para até 40 horas semanais em cursos que alternam teoria e prática e nos períodos sem aulas presenciais, desde que previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.

Portanto, qualquer jornada que ultrapasse os limites estabelecidos em lei, sem o respaldo das exceções legais expressas, configura violação direta à norma legal.

Há relatos de estagiários trabalhando até 10 horas por dia, o que, além de absurdo, caracteriza afronta à lei de estágio.

3. Da ilegalidade na compensação de jornada

A exigência de compensação de jornada pelos estagiários, conforme prática comum no regime celetista e nos termos do Acordo Coletivo, é absolutamente incompatível com a natureza do contrato de estágio.

A Lei do Estágio não prevê nenhuma forma de compensação de jornada. A tentativa de impor essa sistemática aos estagiários — com fulcro em normas coletivas aplicáveis aos empregados da USP — constitui grave desvio do regime jurídico do estágio, podendo configurar fraude ao contrato de estágio, nos termos do art. 3º, §2º da Lei nº 11.788/2008, que dispõe:

“O descumprimento de qualquer dos requisitos legais caracteriza o vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio, para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.”

A jurisprudência trabalhista tem sido firme no sentido de reconhecer vínculo empregatício quando o estágio é utilizado de forma irregular, inclusive em situações em que a carga horária é desrespeitada ou quando há desvio da finalidade pedagógica.

Caso a USP continue a adotar tais práticas, está exposta à judicialização por parte dos estagiários ou por iniciativa do Ministério Público do Trabalho. Uma eventual ação judicial poderá:

                •             Reconhecer o vínculo de emprego entre os estagiários e a USP;

                •             Determinar o pagamento de todas as verbas trabalhistas e previdenciárias correspondentes ao período de contratação irregular;

                •             Gerar condenações em ações civis públicas com impacto financeiro e institucional à Universidade;

                •             Acarretar responsabilidade administrativa e danos à imagem pública da instituição.

Diante do exposto, é juridicamente indefensável a imposição de jornada superior à prevista na Lei nº 11.788/2008 aos estagiários da USP, bem como a exigência de compensação de jornada com base em Acordo Coletivo dos trabalhadores da USP.

Essas práticas caracterizam desvio de finalidade do estágio e potencial fraude na relação jurídica, ensejando o reconhecimento de vínculo empregatício com todas as consequências legais.

Recomenda-se que a USP:

                1.            Cesse imediatamente qualquer exigência de jornada superior à prevista na legislação de estágio;

                2.            Abstenha-se de aplicar mecanismos de compensação de jornada aos estagiários;

                3.            Revisite os contratos de estágio vigentes, em conformidade com os parâmetros legais;

                4.            Oriente suas unidades e gestores quanto aos limites e obrigações do contrato de estágio, a fim de prevenir litígios e responsabilizações futuras.

São Paulo, 13 de junho de 2025.

Alceu Luiz Carreira

OAB/SP 124.489Advogado – Especialista em Direito do Trabalho e Direito Administrativo. Membro do Departamento Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores da USP