Por Jorge Luiz Souto Maior
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Estava aqui, no final de semana, mais angustiado que um goleiro na hora do gol, pensando em como conseguir reagir aos ataques aos direitos da classe trabalhadora vindo, especialmente, do Supremo Tribunal Federal, que está a ponto de “legitimar” a figura fraudulenta da “pejotização”, quando recebo uma manifestação de alunos e alunas da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade de São Paulo, em defesa de três trabalhadoras que perderam seus empregos após a direção da Faculdade resolver não renovar o contrato com a empresa responsável pelos serviços de copa na unidade.

Os(as) estudantes podiam muito bem nem ter se envolvido com o fato. Afinal, foram apenas três trabalhadoras afetadas…

Mas não. Não só se preocuparam, como também apresentaram uma manifestação que lava a alma de tantos que, Brasil afora, lutam pelo respeito à dignidade humana nas relações de trabalho.

Em sua manifestação, os(as) estudantes conseguiram de forma simples e direta explicitar o quanto a decisão do rompimento dos serviços, gerando o sacrifício de três empregadas (ainda que precarizadas pela terceirização) é sim uma questão relevante, que não pode, simplesmente, ser desconsiderada ou minimizada.

Vale, pois, reproduzir partes do texto:

“O contexto atual de luta e reivindicações por mais funcionários, contra demissões, contra extinção de postos de trabalho e contra a precarização dos que se mantêm, não veio do nada. Também não é um fenômeno exclusivo da FAUD, mas sim um projeto de universidade de mais de uma década em que a terceirização, a precarização e eventual desligamento e demissão dos que trabalham nessa universidade foram a base. Há mais de uma década a reitoria da USP assume um discurso de corte de gastos, fiscalista e de racionalização. Sem descartar do horizonte histórico o PDV (plano de demissão voluntária) e o congelamento das contratações, o atual parâmetro de sustentabilidade soma-se a uma série de decisões políticas de gestão universitária que nada contradizem o posicionamento adotado ainda no Governo Temer, de cortar e reduzir sem dizer a quem e por quê.

Nesses últimos 10 anos, perdemos mais de 80 funcionários. Em qual setor eles trabalhavam? Qual o trabalho que deixou de ser feito? Qual é a real perda que estamos tendo em nosso ensino? Como é possível construir a melhor faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da América Latina escorando os rankings nas costas de servidores técnico administrativos sobrecarregados? O design é considerado um dos melhores cursos, mas não tem acesso a estruturas essenciais como a biblioteca e o LPG – Laboratório de Produção Gráfico, algo completamente absurdo e não condizente com a fama de ser um dos melhores cursos de Design do país.  Precisamos lutar pela FAUD que queremos, não apenas se prender a discursos e alegações de que não dá para ser feito, temos que juntos formular, pensar e mais importante nos comprometer a pautar a todo o instante, não dá para ignorar e apenas aceitar a situação precária e inaceitável em que estamos inseridos.

Acreditamos que muitos aqui acompanharam as discussões recentes, e-mails e cartas do GFAUD e direção, além de burburinhos pela faculdade, acerca da demissão das funcionárias da copa e extinção do serviço de copeiragem, o que só serviu de estopim para enxergamos com mais precisão o grande problema da falta de funcionários em outros locais e a precarização sobre os que já existem. Nossa luta é ainda maior e a nossa graduação está totalmente comprometida devido a situação em que nos encontramos. Em relação à copa, é importante refletir: a FAUD realmente precisa economizar? O quanto será economizado? Será que é a única forma disso acontecer? Por que não se abrir a procurar novas soluções? O produto dessas reflexões não foi bem comunicado e ficou ao ar para funcionários e estudantes.”
(….)

“1. Não toleramos nenhuma demissão!

Não podemos naturalizar a demissão. Não podemos cair na armadilha de aplicar juízos de valor aos trabalhos realizados dentro da unidade. Qual o parâmetro que dignifica um trabalho? Colocaremos mesmo em prática nessa faculdade a perpetuação do sistema que não dá valor ao trabalho manual e outras categorias?

As demissões significam uma família sem sustento, uma família em necessidade, e esse deveria ser o centro da discussão. Sabemos que esses empregos cada vez menos voltam, cada posto de trabalho fechado é um posto sepultado, admitir qualquer demissão sobre qualquer justificativa é um equívoco. Assim, colocamos como posição, a não demissão em nenhuma hipótese!!”

Como se pode constatar do conteúdo supra, é verdadeiramente revigorante ver a juventude falando o que deve ser tido: que as vidas alheias e a qualidade do que somos e realizamos importam!

Mas bem sabemos que, para destruir o apelo à razão em que os seres humanos são colocados como pontos de partida e chegada, logo se apresentam raciocínios lógicos e “ponderados”, notadamente embasados em imperativos econômicos e jurídicos.

E foi assim que se justificou a medida, primeiro, com o argumento de que, “o serviço de ‘copeiragem’ – que se baseia na figura arquitetônica da ‘copa’ – tem origens nas tradições culturais mais conservadoras e tradicionais da sociedade brasileira, não sendo adequada aos tempos atuais. Inclusive, poucas são as empresas que hoje oferecem esse tipo de serviço hoje”.

E, na sequência, com a afirmação de que “pela Lei 8.666/93”, o contrato de prestação de serviços “deve ser OBRIGATORIAMENTE encerrado, após 60 meses com a mesma empresa”.

Ocorre que se apresenta como bastante inadequado tentar justificar um ato apoiado em cálculo matemático por meio de um juízo de valor que busca desconsiderar a importância do trabalho humano, e, com isto, inclusive, atingindo a própria dignidade das trabalhadoras, sendo que uma delas realizava este serviço há 12 anos e as outras duas há 10 e 7 anos, respectivamente.

Além disso, a citada Lei 8.666/93 sequer está em vigor, eis que foi expressamente revogada pela Lei n. 14.133/21, a qual dispõe que os contratos de prestação de serviços, com prazo inicial de 05 (cinco) anos, podem ser prorrogados até o prazo máximo de 10 (dez) anos, tudo dependendo de Edital e previsão orçamentária. E já se tem definido jurisprudencialmente que mesmo os contratos firmados antes da vigência desta lei podem seguir o novo regramento.

Não há, portanto, obrigatoriedade nem inexorabilidade para se chegar ao resultado a que se chegou e é isto que os(as) estudantes estão dizendo, e até por conta disso é que estão, também, reclamando a necessidade de se estabelecer um diálogo mais amplo como forma de se chegar a uma deliberação democrática a respeito da questão, até porque, como bem alertam, o que está em jogo é o modelo de gestão e aquele que tem prevalecido até aqui tem gerado redução do número de funcionários e aumento da carga de trabalho daqueles que restaram.

Por tudo isso, o movimento inaugurado pelos(a) estudantes se apresenta como extremamente relevante, sobretudo, para que não se naturalize o raciocínio de que o ideal para a “gestão pública” é promover a substituição de pessoas por máquinas, como dito na justificativa da direção da Faculdade: “estão sendo instaladas em todos os setores (que assim o desejarem) máquinas de café expresso automáticas”.

Até porque é esta mesma lógica que, se prevalecente, tende a favorecer o argumento, ligado à introdução desenfreada da IA, de que o cargo de gestão administrativa, “que se baseia na figura arquitetônica da ‘chefia’ – tem origens nas tradições culturais mais conservadoras e tradicionais da sociedade brasileira, não sendo adequada aos tempos atuais”, indo daí para a docência e demais profissões.

A reação dos(as) estudantes diz respeito, pois, aos saberes e conhecimentos que precisamos produzir, ao modelo de relações sociais e humanas que queremos conceber e as cidades que devemos construir.

Não é, pois, unicamente, da vida das três trabalhadoras que se trata – se já não fosse o bastante… É, principalmente, sobre nós mesmos

No cenário atual, o manifesto dos(as) estudantes da FAUD serve, certamente, como um grande impulso para as necessárias reações ao desmonte da rede de proteção social que vem sendo implementado no Brasil pela força do argumento aparentemente lógico do ideário neoliberal e conduzido milhões de pessoas à miséria e ao sofrimento.

De um modo mais específico, a manifestação também representa uma oportuna denúncia contra todas as formas de exploração de trabalho que, a partir da mesma lógica da redução de custos, se desenvolvem sem o devido respeito aos direitos trabalhistas, como, por exemplo, a da “pejotização”, que tem proliferado por aí…

E também quanto a este aspecto a reação das(os) estudantes merece todo nosso aplauso e apoio!!!

São Paulo, 05 de maio de 2025.