O governo argentino de extrema direita teve que reconhecer uma enorme derrota na tarde de terça-feira (6/2). O partido do presidente Javier Milei, La Libertad Avanza, pediu que o projeto de lei voltasse à comissão, agora precisam começar do zero se quiserem retomá-lo. O PL foi chamado de Lei “Ônibus” por “carregar” mudanças em diversas áreas, uma profunda reforma do Estado. A Lei Ônibus era profundamente antipopular e fazia parte de um ataque geral contra os trabalhadores na Argentina, com a entrega do patrimônio público a empresários através de privatizações, corte de gastos com saúde e educação, legalização do trabalho informal e precário, restrição ao direito de manifestação etc. Além de conferir superpoderes ao presidente que passaria a controlar o poder legislativo, além do poder executivo.
Por que é importante para os trabalhadores do Brasil (e da USP) a luta dos trabalhadores argentinos?
O que aconteceria se Milei e a burguesia derrotarem a classe trabalhadora e a esquerda, na Argentina, e aprovarem os planos?
A classe trabalhadora vai perder direitos importantes e a mão de obra argentina ficaria mais barata que a do Brasil e de muitos países da América Latina. Isso colocaria a burguesia desses outros países em melhores condições para rebaixar salários e direitos do conjunto da classe trabalhadora, reduzindo o custo da mão de obra, para manter sua competitividade e aumentar seus lucros não apenas na Argentina, mas em outros países da América Latina. Ou seja, seria uma derrota do conjunto da nossa classe e uma vitória dos patrões e dos representantes da extrema direita.
Nas lutas dos trabalhadores e jovens na Argentina também está em jogo a sorte dos trabalhadores do Brasil e de toda América Latina, não só pelas questões econômicas, mas também porque a vitória da extrema direita lá fortalece a extrema direita aqui. Ainda mais considerando a possibilidade de Trump se reeleger. Portanto, não se trata apenas de apoiar, mas de lutar junto com os trabalhadores argentinos contra Milei e seus ataques. Nesse sentido, foram importantes os atos realizados em diversos países na frente das embaixadas em apoio à Greve Geral do dia 24/01.
Que lições a vitória dos trabalhadores argentinos nos deixam para pensar a luta contra Tarcísio, em SP?
A derrota da Lei Ônibus na Argentina mostra o caminho da mobilização contra a extrema direita. É um ponto de apoio importante que aponta um caminho construído por parte dos diferentes setores que se mobilizaram nas ruas contra a Lei Ônibus e conseguiram impor uma derrota política para Milei.
Uma luta que deu voz às mulheres, jovens e trabalhadores de todo o país pela mobilização nas ruas, nos bairros e locais de trabalho sem conchavos ou acordos com nossos inimigos como faz a Frente Ampla. A luta só está começando na Argentina e precisa avançar para derrotar o Decreto Nacional de Urgência (DNU) e os ataques de Milei, mas já nos deixa lições fundamentais.
Essa luta feita nas ruas, com greves, sem conciliação com a burguesia, organizada por assembleias de bairro, é um exemplo para os trabalhadores no Brasil de como enfrentar a direita, organizando uma força capaz de impor derrotas e barrar os ataques. Os setores que se opuseram ao governo argentino e a esquerda presente no parlamento através da Frente de Esquerda – Unidade (FITU) conseguiram combinar a atuação no parlamento, como espaço de denúncia e oposição dos planos antioperários, com a mais ampla organização nas ruas, nos locais de trabalho, unificando toda força quanto possível dos trabalhadores de diversas categorias, jovens, aposentados, terceirizados, sem fazer negociatas com a burguesia e seus representantes políticos, ou seja, mantendo a independência de classe.
É o oposto do que tem sido feito na luta contra as privatizações de Tarcísio e as medidas autoritárias do seu governo. Os metroviários se colocaram na linha de frente desse enfrentamento e, junto aos trabalhadores da Sabesp e CPTM, organizaram fortes paralisações. Entretanto, paralisações de um dia mostraram a disposição e potencial dessas categorias, mas são insuficientes para derrotar a direita e seus ataques. Ao contrário, a ausência de um plano de luta que organize uma forte greve estadual até que Tarcísio retroceda, desgasta os trabalhadores da vanguarda e permite que o governo possa reagir, como mostra a demissão de metroviários e a aprovação da privatização da Sabesp na Alesp. Essa vacilação das direções dos sindicatos se dá num contexto em que buscam fazer uma oposição “responsável” à Tarcísio, enquanto seus partidos (como PT, PSOL, UP) se preparam para fazer todas as alianças necessárias para as eleições municipais de 2024, abandonando a independência de classe e a atuação parlamentar com o objetivo de impulsionar e amplificar as lutas dos trabalhadores. Todos sabemos que a esquerda é minoritária no parlamento, então, ou retira a luta de lá trazendo para as ruas e locais de trabalho, onde os trabalhadores podem ser mais fortes, ou nunca construiremos a relação de forças necessária para derrotar a direita.
Chamamos todas trabalhadoras e trabalhadores da USP para acompanhar a luta de classes na Argentina!
4 pontos para entender a Lei Ônibus
O projeto de “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos” foi chamado de Lei “Ônibus” por “carregar” mudanças em uma grande diversidade de áreas. Com 664 artigos, se aplicada, seria uma profunda reforma anti-operária do Estado. Destacamos 4 pontos principais.
1- Emergência pública
Declara emergência pública até 31 de dezembro de 2025, podendo ser prorrogável por mais 2 anos, em questões econômica, financeira, fiscal, pensão, segurança, defesa, tarifa, saúde, energia, nas áreas administrativa e social. Significa que Milei, durante seu mandato presidencial de 4 anos, teria não apenas o poder de Poder Executivo, mas também do Poder Legislativo, teria poderes como um rei.
2- Privatizações e desregulamentação da economia
Declara sujeitas a privatização 41 empresas detidas total ou maioritariamente pelo Estado; suspensão da lei previdenciária; redução de impostos sobre os grandes patrimônios que levarão a redução do orçamento público e mais cortes nos serviços públicos; legalização do trabalho precário; corte de verba para a cultura
3- Restrições ao direito de mobilização
Aumento para 5 anos a pena para quem dirigir, organizar ou coordenar uma reunião ou demonstração que impeça ou dificulte a circulação ou transporte público e privado; pede a prisão de até 4 anos para os que usam armas para perturbar o serviço de transporte público.Ao mesmo tempo elimina sanções para aqueles que usam armas “no desempenho de um dever ou no exercício legítimo do seu direito, autoridade ou posição.” Atualmente o Código Penal Argentino permite apenas que as forças de segurança usem armas quando sua vida ou a vida de outras pessoas estão em risco.
4-Reforma eleitoral
Propõe mudar a composição da câmara dos deputados do congresso, restringindo a participação de partidos minoritários (em geral os partidos de esquerda), com isso o partido político de Milei poderia aumentar sua força ganhando mais deputados nas próximas eleições. Propõe eliminar as eleições primárias, onde os argentinos escolhem quem disputará as eleições.