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Nós, psicólogas e psicólogos da Universidade de São Paulo, organizados em coletivo,
apresentamos este manifesto em defesa da redução da jornada de trabalho da categoria para
30 horas semanais, sem redução salarial. Essa reivindicação se justifica por razões de
ordem sanitária, social, jurídica, de valorização, reconhecimento e equidade profissional
das psicólogas(os) servidoras(es) técnico-administrativos da Universidade, conforme
detalhado a seguir:

  1. Saúde das trabalhadoras e qualidade do atendimento
    A Psicologia é uma profissão do cuidado, marcada por intensa exposição ao
    sofrimento humano, a contextos de vulnerabilidade e situações-limite. Para manter o
    exercício responsável, ético e qualificado da profissão, as trabalhadoras e os trabalhadores
    dessa área precisam ainda, para além do atendimento ao público, dedicar uma carga horária
    importante para supervisões, congressos, formação continuada, articulação de redes, dentre
    outras atividades fundamentais ao desempenho de nossas funções. Jornadas extensas e
    extenuantes favorecem o adoecimento mental e físico, aumentando índices de burnout entre
    profissionais da psicologia (MILLS; HUEBNER, 1998; EMERY; WADE; MCLEAN, 2009).

    Estudos mostram que 40% das(os) psicólogas(os) apresentam altos níveis de
    exaustão emocional (MILLS; HUEBNER, 1998) e que longas jornadas elevam o conflito
    da divisão do tempo entre demandas do trabalho, família e emocionais, além de elevar o
    estresse crônico, comprometendo a qualidade de vida e do trabalho realizado (RUPERT;
    MILLER; DOROCIAK, 2015).

    No Relatório Global “Working Time and Work-Life Balance Around the World”, da
    Organização Internacional do Trabalho (OIT), levantam-se indicativos de que a redução
    da jornada não reduz a produtividade, mas aumenta a eficiência e a qualidade dos serviços. A
    redução da jornada se configura, portanto, como uma medida preventiva contra o
    absenteísmo, a rotatividade de profissionais e os afastamentos por questões de saúde,
    promovendo cuidado e qualidade de vida às profissionais de saúde mental que se dedicam ao
    cuidado de outras pessoas e coletividades, condições essenciais para o pleno desenvolvimento
    das competências e potencialidades profissionais e, consequentemente, a qualificação do
    atendimento prestado à comunidade universitária e à população em geral por meio dos
    serviços da universidade.

  2. Precedentes legais e reconhecimento institucional

    Diversas profissões da saúde já regulamentaram jornadas com carga horária reduzida:
    Serviço Social (Lei nº 12.317/2010), Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Lei nº
    8.856/1994), Radiologia (Lei nº 7.394/1985) e Medicina (Lei nº 3.999/1962). No Estado de
    São Paulo, a Lei nº 840/1997 fixou jornada de 30 horas para psicólogas(os) da Secretaria da
    Saúde, estendida ao Sistema Penitenciário e à Assistência Social. Na esfera municipal, a
    adequação da jornada para 30 horas tem sido regulamentada desde a década de 90 em
    dezenove localidades do Estado de São Paulo:

    ● Município de Agudos – Lei n° 4.767 de 12 de maio de 2015;
    ● Município de Americana – Lei no 5.635 de 28 de março de 2014;
    ● Município de Assis – Lei no 3.497 de 24 de junho de 1999;
    ● Município de Avaré – Lei Complementar no 126 de 2 de junho de 2010;
    ● Município de Bady Bassitt – Lei Municipal 1196/94.
    ● Município de Barueri – Lei Complementar no 381/2016;
    ● Município de Bebedouro – Lei Complementar no 145, de 11 de maio de 2022;
    ● Município de Birigui – Lei Complementar n°115/2020;
    ● Município de Botucatu – Lei Complementar no 10, de 09 de março de 2015;
    ● Município de Guaíra – Lei Complementar n° 3.159, de 03 de julho de 2023;
    ● Município de Guarulhos – Decreto do Poder Executivo no 77 de março de 1996;
    ● Município de Jacareí – Lei n° 6146/2017;
    ● Município de Nova Odessa – Lei Complementar no 45, de 05 de novembro de 2015;
    ● Município de Osasco – Lei Complementar no 130/05;
    ● Municipio de Paulinia – Lei nº 3496, de 18 de fevereiro de 2016;
    ● Município de Rio Claro – Lei Complementar 090 de 22 de dezembro de 2014;
    ● Município de São Joaquim da Barra – Lei n°1245 de 20 de dezembro de 2021;
    ● Município de Sorocaba – Lei n° 8348 de 27 de dezembro de 2007;
    ● Município de Votuporanga – Lei Complementar n° 214 de 02 de julho de 2012;
    Universidades como UNICAMP e UFGD também já adotam a jornada reduzida para
    psicólogas(os):
    ● Universidade Estadual de Campinas – Deliberação CONSU-A-017/2014, de
    05/08/2014
    ● Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – Resolução nº 544, de 28 de
    setembro de 2023

    Estes precedentes legais são resultado de um processo social mais amplo em nosso
    país, de valorização das profissionais da psicologia, e de discussões em andamento em
    diversos campos de atuação profissional. Dentre alguns dos importantes fóruns de debate, as
    Conferências Nacionais de Saúde, Saúde Mental e Saúde do Trabalhador deliberaram
    favoravelmente à redução da jornada para psicólogas(os). O Projeto de Lei nº 142/2019 (SP)
    e o PL 1.214/2019 (Câmara dos Deputados) e o PL 3.086/2024 (Senado) também reforçam a
    urgência de uniformizar a jornada da Psicologia em 30 horas semanais. À Universidade de
    São Paulo, conhecida pela vanguarda em diversos campos do conhecimento, convém se
    atualizar em relação à valorização dos profissionais da Psicologia, tendo como horizonte a
    valorização da saúde mental de toda a comunidade por nós atendida e o consequente
    fortalecimento da política de saúde mental universitária, dimensão indissociável da
    permanência, da inclusão, dos direitos humanos e do desenvolvimento acadêmico como um
    todo.

  3. Impacto institucional na USP

    A Universidade de São Paulo conta com 60 psicólogas(os) dentre seus 12.610
    servidores técnico-administrativos — 0,47% do total. Destas, 19 já cumprem jornada
    reduzida com redução salarial, demonstrando a viabilidade administrativa da readequação
    das cargas horárias. A alteração diz respeito, portanto, à adequação da jornada de 41
    profissionais (0,33% do quadro funcional da universidade) e reposição da redução salarial de
    19 profissionais (0,15% do quadro funcional da universidade), com impacto orçamentário
    mínimo.

    Ao mesmo tempo, como demonstrado nos demais tópicos, tal ação, minoritária do
    ponto de vista de investimento burocrático e orçamentário, promoverá um impacto positivo
    na saúde mental universitária que atingirá 100% da comunidade USP. Isso se dará ao
    contribuir para a realização, com excelência e maior produtividade, de todas as dimensões
    das atividades universitárias, que são intimamente atravessadas pelo tema da promoção da
    saúde mental e do bem-estar na universidade.

  4. Isonomia e valorização profissional

    Psicólogas(os) atuam em equipes multiprofissionais junto a assistentes sociais,
    terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas — categorias com jornada regulamentada de 30h
    semanais. A manutenção da jornada de 40h para psicólogas(os) constitui desigualdade entre
    servidoras e servidores técnico-administrativos que fere a isonomia no local de trabalho,
    uma vez que, em muitos campos de trabalho, as(os) psicólogas(os) realizam tarefas de
    trabalho iguais ou equiparáveis às de seus colegas das demais categorias, porém recebendo,
    na prática, um salário 25% menor por hora trabalhada.
    Ressalta-se também o trabalho das psicólogas, psicólogos e demais profissionais de
    saúde mental durante e no pós-pandemia de COVID-19, diante do grau de sofrimento e
    angústia intensos vivido pela população em todos os países e a explosão da demanda por
    atendimento e cuidado em saúde mental (OPAS, 2023), que deixa marcas até hoje.
    Desta forma, compreendemos a redução da jornada sem redução salarial como uma
    medida de valorização da Psicologia e restituição de condições de maior igualdade e
    isonomia para esta importante profissão. Esta se constitui como estratégia fundamental para
    fortalecer políticas públicas e a manutenção da presença dessas e desses profissionais nos
    diversos serviços da universidade, evitando a migração de profissionais de excelência para
    outras instituições que já incorporaram a jornada de 30 horas, migração esta já observada no
    dia-a-dia de trabalho das unidades, e que coloca em risco o atendimento integral e de
    qualidade à comunidade.

    Conclusão
    A redução da jornada para 30 horas semanais, sem redução salarial, é uma medida
    de justiça, saúde e valorização profissional. Ela preserva a saúde física e mental das(os)
    psicólogas(os), garante isonomia com outras categorias da área da saúde, e fortalece a
    qualidade dos serviços oferecidos pela USP nos campos da promoção da saúde mental, da
    inclusão e do bem-estar social.
    Reivindicamos, portanto, que a Universidade de São Paulo adote a redução de
    jornada para 30 horas semanais sem redução salarial para as(os) psicólogas(os) de seu
    quadro funcional, somando-se ao crescente número de universidades, outras instituições e
    municípios que já reconhecem a importância e urgência dessa medida.

    Contamos com o seu apoio!
    Coletivo de Psicólogues da USP




    Referências Bibliográficas

    ASSOCIAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS E PSICÓLOGOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Manifesto pela redução da jornada semanal da Psicologia para 30 horas. Brasília, 4 out. 2010. Publicado em 21 out. 2010. Disponível em: https://www.aasptjsp.org.br/antigo/noticia/manifesto-pela-redução-da-jornada-semanal-da-psicologia-para-30-horas. Acesso em: 10 set. 2025.

    BRASIL. Lei nº 3.999, de 15 de dezembro de 1961. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de médico e cirurgião-dentista. Diário Oficial da União, Brasília, 1962.

    BRASIL. Lei nº 7.394, de 29 de outubro de 1985. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de técnico em radiologia. Diário Oficial da União, Brasília, 1985.

    BRASIL. Lei nº 8.856, de 1º de março de 1994. Dispõe sobre a jornada de trabalho dos profissionais fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Diário Oficial da União, Brasília, 1994.

    BRASIL. Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010. Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do assistente social. Diário Oficial da União, Brasília, 2010.

    BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 3.681, de 7 de maio de 2024. Institui a Política Nacional de Cuidados Paliativos – PNCP no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Diário Oficial da União, Brasília, 22 maio 2024. Disponível em: (link de acesso). Acesso em: 28 ago. 2025.

    CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 729, de 7 de dezembro de 2023. Institui a Política Nacional de Cuidados Paliativos. Brasília: CNS, 2023.

    CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia 30 horas. Disponível em: https://site.cfp.org.br/psicologia30horas/. Acesso em: 28 ago. 2025.

    EMERY, S.; WADE, T. D.; MCLEAN, S. Associations among therapist beliefs, personal resources and burnout in clinical psychologists. Behaviour Change, v. 26, n. 2, p. 83–96, 2009.

    MILLS, L. B.; HUEBNER, E. S. A prospective study of personality characteristics, occupational stressors, and burnout among school psychology practitioners. Journal of School Psychology, v. 36, p. 103–120, 1998.

    RUPERT, P. A.; MILLER, A. O.; DOROCIAK, K. E. Preventing burnout: what does the research tell us? Professional Psychology: Research and Practice, v. 46, p. 168–174, 2015.

    ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Relatório: Tempo de Trabalho e Equilíbrio entre Vida Profissional e Pessoal em Todo o Mundo. Disponível em: https://www.ilo.org/publications/working-time-and-work-life-balance-around-world. Acesso em: 28 ago. 2025.

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    SÃO PAULO (Estado). Lei nº 840, de 19 de novembro de 1997. Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Secretaria de Saúde. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 1997.

    SÃO PAULO (Estado). Projeto de Lei nº 142, de 2019. Dispõe sobre a jornada de trabalho de psicólogos no âmbito estadual. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2019.

    SINDICATO DOS PSICÓLOGOS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Dez razões para a jornada de 30 horas. Disponível em: https://sinpsi.org/dez-razoes-para-a-jornada-de-30-horas/. Acesso em: 28 ago. 2025.