Foi com enorme indignação que tomamos conhecimento da ofensa racista sofrida por Domício Candido Rodrigues, trabalhador negro, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, há mais de 20 anos e diretor do Sintusp. No dia 21 de agosto, ao entrar em seu local de trabalho, Domício foi surpreendido com a miniatura de um macaco sobre sua mesa. Quem colocou não sabemos, mas o que significa não é segredo para ninguém!

Viemos manifestar publicamente nosso mais profundo repúdio a essa manifestação racista e nos solidarizar com o companheiro Domício e com todas as trabalhadoras e trabalhadores negros que sofrem cotidianamente com o racismo.

Esse caso odioso nos lembra as inúmeras ações públicas e veladas de racismo que associam pessoas negras a animais, com o objetivo de desumanizar e subjugar as pessoas negras e negros, em nosso país e no mundo. Embora já se tenha provado, há muito tempo, que não existe nenhuma sustentação científica ao conceito de raça e, que o racismo é uma construção histórica, política e ideológica de dominação, criada para hierarquizar equivocadamente grupos humanos, numa tentativa mentirosa de justificar a subordinação do povo negro.

A associação das pessoas negras e negros aos animais como: macacos, urubu, dentre outros, são exemplos inequívoco de ofensa racista. É uma tentativa de arrancar ou diminuir: tirar sua subjetividade, sua humanidade, sua singularidade enquanto pessoa. Reafirmamos que a comparação de pessoas a animais é naturalizar a ideia de que as pessoas negras valem menos do que uma pessoa branca.  Longe de ser algo aleatório, essa operação ideológica, e hoje criminosa, teve historicamente como um dos objetivos justificar a escravização de milhões de pessoas negras africanas que foram traficadas para as Américas, especialmente para o Brasil, de forma violenta e brutal.

Mesmo no continente africano, atitudes grotescas como na comparação de pessoas negras a macacos também foi um dos modos violentos empregados no processo de   justificar a inferioridade daqueles povos e etnias abrindo assim passagem para a colonização, pelas nações europeias, no século XIX.

Ao justificar uma suposta superioridade da raça branca e os valores associados a ela, as potências europeias espoliaram as riquezas de diversos territórios africanos, além de balizar a violação, o massacre de milhões de africanos. Muitos grupos humanos foram destruídos fisicamente, além de ver sua cultura – diversas línguas, manifestações artísticas, costumes etc. – associadas a coisas demoníacas, primitivas ou sinônimas de algo ruim, sem valor e a ser eliminado.

Não podemos deixar de dizer que essa criminosa atitude de associar pessoas negras a animais que também criou a falácia de que este povo é naturalmente (por suas características físicas ou culturais) propenso à criminalidade, a atitudes agressivas, à sexualidade exacerbada etc.

A teoria racista que hierarquiza das raças promoveu ainda o absurdo e brutal dos zoológicos humanos em diversos países europeus: na Bélgica que, depois de assassinar, estuprar e mutilar mais de 10 milhões de congoleses manteve um zoológico humano em funcionamento até 1958.

A violência racista que compara pessoas negras a macacos transformou países africanos riquíssimos em minérios como o cobalto, o coltan, ouro, diamantes, petróleo em países atravessados pela fome, pela miséria, prostituição infantil e afogados em guerras, ou no caso da África do Sul, que sofreu com a segregação racial – o Apartheid 1948 e 1994 – por conta da colonização europeia.

A corrente epistemológica que fundamentou comparar pessoas negra a macaco gerou em outros países como nos Estados Unidos, a submissão forçada da população negra às leis de segregação racial, linchamentos, enforcamentos, empalamentos, mortes por queimadura, assassinatos pela polícia, encarceramento em massa e humilhações cotidianas.

No Brasil, depois da abolição da escravização, como já dito acima, a população negra continuou a sofrer com o racismo. Sem direitos a terras, à educação, à igualdade, ao voto e durante muitos anos, tiveram suas manifestações culturais perseguidas e reprimidas duramente pelo poder do estado. Não é por acaso também que as pessoas negras até os dias de hoje sejam aquelas que mais são castigadas e foram empurradas aos piores postos de trabalho recebendo os menores salários, menores direitos e vivendo em áreas sem saneamento básico e condições elementares de moradia.  A luta do povo negro vem de longe: lutam contra o analfabetismo e a evasão escolar porque precisam trabalhar mais cedo, cada vez mais sem direitos devido à reforma trabalhista e, graças à reforma da previdência, são as(os) últimas(os) a se aposentarem.

O racismo divide a classe trabalhadora. O racismo que permite uma pessoa chamar a outra pessoa negra de macaco. Mas não se trata de um problema que diz respeito apenas aos trabalhadores negros, pois se a classe dominante rebaixa os salários, os direitos e ainda nega a humana ao povo negro, ela o faz também ao conjunto da classe trabalhadora e transforma a vida de todos em uma miséria cada vez maior. Vale lembrar que todo o aparato repressivo construído para perseguir as pessoas negras e negros durante os 388 anos de escravização foram utilizados também para reprimir as greves e manifestações da classe trabalhadora.

Em meio a um contexto de declarações racistas e xenófobas de representantes políticos da extrema direita como: Trump, Bolsonaro e Tarcísio, dentre outros, observamos práticas racistas e violentas acontecerem contra a população negra e imigrantes aqui no Brasil e internacionalmente, como é o caso do genocídio praticado contra o povo palestino. A USP não é uma ilha separada do conjunto da sociedade e reproduz cotidianamente práticas que perpetuam o racismo. Além desse caso absurdo sofrido pelo companheiro Domício, muitos casos silenciosos não ganham visibilidade!

É por tudo isso que repudiamos veementemente a ofensa racista sofrida por nosso companheiro Domício e chamamos o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores da USP, assim como aos estudantes e intelectuais, para que em conjunto não aceitem essa sociedade miserável de exploração e opressão!

Vamos cerrar fileiras no combate a todas as manifestações de racismo dentro e fora da Universidade de São Paulo.