Nos últimos meses a USP tem realizado o Programa de Desenvolvimento para Eficiência no Serviço Público 2025 em um hotel na cidade de São Pedro. Dividido em diversas turmas, os funcionários de nível básico foram os primeiros a participar do conjunto de palestras que somam ao todo 16 horas. Nessas palestras, professores-coach se desdobram em convencer os trabalhadores a “entregar mais”, partindo da premissa defendida pelo também coach Mario Sergio Cortella de que se deve “Fazer o teu melhor, nas condições que você tem, enquanto não tem condições melhores para fazer melhor ainda”.

A frase solta pode ser entendida de forma genérica. Como seres humanos devemos, em geral, buscar dar o nosso melhor, na medida do que é possível. Mas sob qual contexto? A serviço do que devemos dar nosso melhor? É aí que queremos dialogar com os trabalhadores, para que possamos entender o que está por trás da agenda da reitoria.

De acordo com os dados publicados pela USP em 1989 eram 31.897 alunos de graduação matriculados. Em 2023, 59.216. Na pós-graduação o número foi de 12.914 em 1989 para 29.441 em 2023. Os alunos de cursos de extensão eram 70.963 em 1989 e 210.334 em 2023. Docentes eram 5.626 em 1989 e em 2024 eram 5.182. Já o número de funcionários passou de 17.735 em 1989 para 12.514 em 2023.

Enquanto o número de alunos regulares matriculados na graduação e na pós-graduação dobrou (sem considerar o número de matriculados nos cursos de extensão que praticamente triplicou), o número de funcionários caiu quase 30%! Ou, seja, somos um terço a menos do que éramos em 1989.

Enquanto crescem os números de trabalhadores sofrendo de burnout entre outros problemas, a reitoria nos cobrar mais entrega é bastante absurdo! Já entregamos muito mais do que somos capazes de suportar, daí o nível brutal de adoecimento físico e mental.

O reitor da USP foi até uma das turmas do curso dizer que valoriza os funcionários de nível básico. No entanto, há mais de uma década não há concurso para os níveis básico e a terceirização avançou justamente nesses setores e nos serviços operacionais em geral. Se valoriza, por que não contrata? Por que terceiriza as funções, deixando que os milhares de trabalhadores terceirizados estejam submetidos a maior sobrecarga de trabalho, baixos salários e contratações cada vez mais precárias? Buscar mecanismos para retirar direitos é o oposto de valorizar. Ao terceirizar a USP avança no projeto privatista de universidade, que submete ensino, pesquisa e o trabalho à lógica do capital e nada tem a ver com uma USP inclusiva, ao contrário, exclui a classe trabalhadora e o povo pobre de tudo o que significa a universidade, seja as pesquisas em função da melhoria da vida da população e não em função do lucro do mercado, seja em relação ao acesso.

Vale lembrar que quem arrancou as cotas raciais foi o movimento estudantil e dos trabalhadores em aliança com o movimento negro. Não foi o reitor nem a burocracia universitária que, num rompante de bondade, decidiu enxergar a necessidade de políticas afirmativas. Aliás, ao contrário, a USP foi a última das universidades a aderir às cotas raciais. E continua, no entanto, a atacar a permanência estudantil.

Não é segredo para ninguém que os funcionários de nível básico são os responsáveis pela existência da USP em todos seus aspectos. Mas foram justamente as políticas da reitoria que tentaram mudar o perfil dos trabalhadores, transformando o gráfico de número de funcionários de nível básico-técnico-superior do formato de uma pirâmide para o formato de um barril, mas palavras do ex-reitor Zago. Isso não porque as funções exercidas pelos trabalhadores de nível básico deixaram de existir, mas porque foram as primeiras a serem terceirizadas.

Queremos valorização de fato, de todos trabalhadores efetivos e terceirizados, com direitos e salários!

Essa gestão reitoral usou bastante o discurso de inclusão e cooptou muita gente que acreditou que ela seria mais inclusiva para as mulheres e LGBTQIAP+. No entanto, há que pensarmos: quantas vagas nas creches da USP foram abertas? As professoras das creches há anos denunciam o fechamento de vagas e a não contratação de professoras e funcionários para lá.

A enfermagem do HU e HRAC são majoritariamente compostas por mulheres, mas a contratação de técnicas de enfermagem é quase nada. Os assédios a estudantes e às trabalhadoras, sobretudo as terceirizadas continuam e não houve nada efetivamente feito para barrar esse tipo de violência. Ao contrário, a reitoria traçou um protocolo quem sequer contou com a participação das funcionárias e até momento a Prip, gerida pela senhora Ana Lana, não resolveu os problemas mais elementares apresentados pelas estudantes, docentes e funcionárias.

As trabalhadoras que tem filhos ou pessoas sob seus cuidados com alguma deficiência ou neurodivergentes tem o mesmo número de possibilidade de faltas abonadas por consultas médicas que todos os demais trabalhadores, mesmo tendo que as dividir com os filhos e dependentes. Sabemos que são sobre os ombros das mulheres que recaem as responsabilidades sobre os filhos.

O trabalho terceirizado na USP, sobretudo de higiene e limpeza, é exercido majoritariamente por mulheres negras. Sem essas mulheres a USP não estaria no topo dos rankings internacionais. Mas são os menores salários e tem menos direitos. Cadê a inclusão dessas mulheres que sequer existem nos anuários da USP?

O atual regimento da USP, que trata da organização geral da universidade e suas estruturas de poder é descendente direto da ditadura militar. Seu texto original data de 1972, os anos de chumbo da nossa história recente. A aprovação desse regimento, cumpriu o papel de sistematizar as formas de centralização da estrutura de poder ao gosto do regime autoritário dos militares, bem como sistematizar a repressão à comunidade universitária. Sua versão atual, de 1990 mantém o fundamental da estrutura de poder antidemocrática da universidade.

O atual regimento estabelece o Conselho Universitário (CO) como o órgão máximo de deliberação da universidade, que delibera desde as diretrizes para a universidade até o reajuste salarial dos servidores, políticas orçamentárias etc. Os funcionários têm direito a apenas 3 representantes no CO, mesmo sendo cerca de 14% da comunidade, os estudantes têm 15 representantes, sendo 80% da comunidade acadêmica. Ou seja, no organismo que define as regras disciplinares, as políticas em relação a trabalho e salários, o número de representantes de funcionários e estudantes é ínfimo. Mesmo em relação aos docentes a representatividade não reflete a categoria, afinal, quem está no CO são os dirigentes de unidade e não a base.

Este ano tem eleições para o reitor e o colégio eleitoral não representa a comunidade. Aliás, na prática, quem escolhe o reitor é o governador, o que é ainda mais autoritário. Democracia na USP só rima com demagogia. Ela não tem nada de democrática!

Os trabalhadores não deixaram de participar de cursos e formações ao longo dos anos e mesmo as palestras da Escola USP, que dedicou mais tempo em exigir mais rendimento nosso que de fato formação, teve uma grande adesão. Mas, nos chamou a atenção que tenha sido colocado que esse programa seja parte do processo de progressão de carreira e do plano de desenvolvimento individual. Como a CCRH, eleita, não foi reunida, apesar das inúmeras mensagens e pedidos que fizemos, através das nossas 3 representantes, cabe também levantar alguns questionamentos: Um curso feito em uma cidade no interior, sem a possibilidade de levar filhos ou dependentes, não pode ser motivo de penalização para aqueles que não puderem ir e a reitoria precisa assegurar que não haja qualquer punição ou prejuízo a esse respeito. Sendo necessária a garantia de que todos que queiram participem, dando inclusive a possibilidade de acompanhamento a distância ou nos diversos campi e unidades. Queremos debater essas e outras questões com a Escola. Nossas agendas estão, como sempre estiveram, abertas!

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Essas são algumas das questões que queremos dialogar com os trabalhadores para mostrar a necessidade de irmos a fundo no debate da campanha salarial! A luta pelo reajuste e as perdas salariais não está alheia a luta em defesa de uma universidade de fato inclusive que esteja a serviço dos trabalhadores e do povo pobre. É essa luta que o Sintusp tem levado todos esses anos.

Vamos com tudo nessa campanha salarial!